julho 31, 2006

Dizem que a paixão o conheceu

dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros

senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

texto | al berto
foto | loneliness by age of loss > www.deviantart.com

Loucos

Vou deixando, deixando correr o que sinto
Se bem que o que me apetece é parar
Dar uma volta e regressar!
Sentir de novo esse respirar de Sol
De sonho, de brisa...
Parar, regressar!
Talvez desesperar,
sem dúvida parar de pensar...


Mas que raio...
Porquê esse olhar de soslaio?
Apetece-me de facto, rebobinar
Dar dois passos e saltar
Em frente, para trás...

Sinto-me a fechar em mim
A preferir não ver o sol, o mar
Sinto que pereço
Sinto-me pouco de mim
É assim...
Saio de fora daquilo que sou para tentar ser mais alguém
Prefiro não o ser...
Prefiro não ser de todo!
Isto de sentir faz-nos crescer e envelhecer aos poucos
Sorrir e sofrer que nem loucos...

texto | rui marques
foto | rui sousa > http://apontaedispara.blogs.sapo.pt/

julho 29, 2006

Amigos

Um dia a maioria de nós irá separar-se. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido. Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida. Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos. Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Aí, os dias vão passar, meses...anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro. Vamo-nos perder no tempo.... Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?" Diremos...que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto! -"Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!" A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo. E, entre lágrima abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada do passado. E perder-nos-emos no tempo..... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades.... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

texto | fernando pessoa
foto | sigpras > www.deviantart.com

julho 23, 2006

Desejo


Vagos sorrisos esvoaçam de forma constante enquanto aquela troca de olhares subsiste... Por força de uma luz ou de uma razão vinda não se sabe bem de onde, aqueles olhos cruzaram-se... incendiraram-se! Queimaram, de tanto fogo, todo o olhar que arde em Desejo... E, no entanto, aquele instante não esteve presente durante todo um sempre... Simplesmente perdeu-se pelo caminho...

texto | rui marques
foto | Crystal_Eye - midnightdky-doul>www.deviantart.com

A estória de uma lua poeta e as estrelas que a acompanhavam...

Aquele luar, sem ar
um todo refractário
quase que me engolia em um trago só!

Agarrou em mim, com uma só mão
e
deixou-me estarrecido a ver as estrelas nascer

umas novas, outras também

e outras sem dono...
Fiz-lhe prometer que uma delas seria minha
ao qual nem sequer tive resposta.

Aquele luar, gelado

bebeu-me de um só trago

deixou-me pendurado
agarrado a uma estrela...
"Só sais daí - disse-me - quando realmente perceberes
que as estrelas são de quem elas quiserem"!

Aquele luar, alado

contou toda a verdade

em forma de poema...

escrito sem caneta...

mas espalhado por todos os corações...


texto | rui marques
foto | rui sousa>http://apontaedispara.blogs.sapo.pt

julho 17, 2006

Sá de Miranda Carneiro

comigo me desavim
eu não sou eu nem sou o outro


sou posto em todo perigo

sou qualquer coisa de intermédio


não posso viver comigo

pilar de ponte de tédio

não posso viver sem mim

que vai de mim para o Outro


texto | alexandre o'neill
foto | prismes>www.deviantart.com

Não sei se escreva

e de repente abro os olhos
sinto um calor abrasador à minha volta que me limita os movimentos
parece-me que estou preso...

parece-me que estou longe...

parece-me tudo tão estranho...

tento levantar-me sem barulhos de maior mas o nevoeiro impede-me de o fazer
mas que raio será tudo isto
que loucura é esta que me invade

porque não consigo ver todas as cores?
guardo imagens separadas de mim e nem sequer sei porquê
são frias...

apetece-me fechar os olhos novamente

não quero ver

apenas quero sentir

quero respirar com vontade
e deixar-me inundar por essa forma de viver tão estranha

bem amarga, tão doce

mas que no fundo...
no fundo será sempre viver...


foto | rui sousa>
http://apontaedispara.blogs.sapo.pt/
texto | rui marques

julho 08, 2006

3 segundos de Vida

Aquela deslocação do ar estremeceu-me completamente...
fez-me andar em frente e retroceder todo esse caminho de volta até ao ponto de partida
fez um zumbido na minha consciência

e atordoou os meus sentidos...
os meus sentimentos...
Aquela fracção de segundos esteve presente 3 mil anos em frente e provavelmente nem um segundo durou
aquele momento congelou-me e nem sequer o senti passar por mim, apenas o senti vir em minha direcção completamente indefeso

e de repente virei estátua... saltei para trás e como que adormeci na esquizofrenia do momento
Respirei três vezes enquanto todo eu tremia
olhei em volta e todo o tempo estava parado
seria possível que tudo terminasse assim apesar de tão pouco viver ter passado por mim
ficaria órfão de sentir

E nem os olhos abririam mais...

texto | rui marques
foto | rui sousa>http://apontaedispara.blogs.sapo.pt

julho 06, 2006

Pegadas no nunca mais tarde


por estes dias foge-me o caminho dos pés...
sobe-me um sentir de silêncio pelas horas dos meus dias...
lembra-me que se possivel poderia ter tudo e mesmo assim não ter nada
absolutamente nada
ou absolutamente tudo...
e mesmo assim viver
sobreviver
conviver
acima de tudo reviver!...
faz-me lembrar essa cor vermelha
de um rubor na face...
de um ardor inconsciente...
de uma forma de divagar por caminhos suspensos
imensos
de um modo concreto assalta-me uma imagem de um sentir inebriado
sinto que se voasse...
se voasse...
perderia os sentidos mesmo antes de os encontrar
chegava onde queria mesmo antes de o saber...
e mais cedo ou mais tarde podia ver tudo outra vez
mesmo de olhos fechados
sentia essa respiração
essa presença
desse caminho que me foge dos pés
dessa vida que teima em andar para trás...
sou mais eu
apesar de não o ser
já fui bem mais...
e no fundo apenas deixei correr o tempo desgovernado
rumo a uma música distante
a um café mais que quente, bem frio...
deixei que se me fugisse entre os dedos das mãos esse tempo
por entre as cordas que seguram o navio
por entre o nevoeiro rumo ao rochedo mais distante...

texto | rui marques
foto | www.tenebris69.deviantart.com