dezembro 16, 2007

Despedida


Cadenciada pelo som do ranger da madeira
sentada no alpendre da sua fachada de vida,
balançava pausadamente
aguardando pela imagem que mais ansiava...
Numa das suas mãos, hoje em dia enrugadas e secas
pousava ternamente um colar de contas,
que mais não significava a sua fé em receber a visita
que mais almejava...
Na outra, o livro que nunca escrevera
mas sempre tinha sonhado ler
tivera ele sido escrito...
Tinha passado por ela uma vida de tormento
salpicada pelo ressentimento
de um sentimento antigo...
E, por mais que tentasse esquecer aquele momento
- apesar de nunca o ter desejado -, todos os dias daí em diante
foram vividos na dor daquele átrio frio, escuro e nu...
Os olhos serenos e límpidos repousam no horizonte,
enquanto vislumbra o vapor da máquina a aproximar-se...
À medida que a lágrima fugidia escorre pela sua pálpebra
pousa, melancólica mas ardentemente, o colar no seu regaço
ao mesmo tempo que a sua mão se ergue, vagarosamente,
carregando todo um passado de desejo e sonho,
em direcção da velha mesa de madeira que a acompanha...
O compasso da chegada da visita desejada apressa-lhe o movimento
ao pegar,
com a força que ainda lhe resta,
no velho bilhete gasto pelas memórias...
A viagem é sua...
O livro caiu...
E não mais ela voltará à sua solidão...


texto | rui marques
foto | one last goodbye by ~googleist>www.deviantart.com

Retrospectiva


No trebitar das horas soturnas de calor da tarde
espera...
Espera envolto em frio ardente,
impacientemente,
que a sua caneta se deixe esvair de tinta
nas folhas que crescem diante do seu olhar!
Mesmo com toda a sua vontade,
continua a pensar naquele troar familiar
das águas revoltas
a embaterem nas frias e despidas rochas que as rodeiam...
A acompanhar aquele arrepio final,
cresce nele a vontade de aquecer
ou, quem sabe,
esfriar a emoção que o percorre...
E apesar da certeza latente, a dúvida persiste
demonstrando que nem sempre o mais lógico vence e perdura...
Será sempre bem mais fácil e cómodo
pura e simplesmente fingir que nunca aconteceu...
No entanto, a imagem da estação onde se despediram ocupará
apenas na sua existência
um lugar de fantasia e ideal de amor...
Assim, chegou à final idade que hoje aparenta e orgulhosamente proclama
e, apesar da doença o fazer apagar as suas memórias,
nunca há-de esquecer que esteve na estação,
que amou
e se despediu...
E essa memória irá consigo para o chão frio
seu lar, último lar...
E definhará sabendo que um dia,
naquele tempo,
soube o que era ser feliz...

texto | rui marques
foto | re-goodbye by spcmonky>www.deviantart.com

dezembro 14, 2007

Boas Festas... Pela vida toda!

Rossio II by PedroDiNo


Christmas Series Rossio by Viseu_Graciosa

fotos www.deviantart.com

Sentimento dos Contentes


A amizade é algo que se constrói...
É amor no seu estado mais puro.
É saber ser, estar, fazer e dizer...
O que apetecer, como apetecer, quando apetecer...
A amizade é isto, aquilo, tudo e nada...
É o que se quer e o que não se quer!
A amizade é um A, um M, um I...
E acaba em ...ade, tal como verdade, sinceridade, honestidade...
A amizade, o amor é isto e nada mais,
Tão só a Amizade!
texto ru1vernix
foto Viseu_by_elnin0>www.deviantart.com

Azul


Todos os ventos tocam no paladar
que deles brota
e me envolvem nessas mãos de azul pintadas
que arrefecem o ar que inspiro...
Todas a faces de gelo coradas
se atravessam neste viver de geadas constantes
mas faz frio, lá fora
e cá dentro, cores quentes!


Em todos os dias dos dias me lembro,
em constante revolução processual
ou por uma simples e inequívoca linha desviada,
que lá fora faz frio
mas cá dentro
nada!


texto | rui marques
foto | clear ice by re-director>wwww.deviantart.com

novembro 20, 2007

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz precipitado

texto | Sophia de Mello Breyner Andresen
foto | The Spring Field by -mutrus>www.deviantart.com

outubro 04, 2007

Porto de Abrigo


Noite após dia percorro as ruas da minha imaginação,
do meu sentimento e do sentir,
em busca do conforto de uma vela acesa que me acolhe
e de um tecto que me protege e me deixa cescer...
Sei que me abrigo no teu ser porque assim foi escrito
algures, nas páginas mil da nossa estória
e que isso se repetirá incessantemente
porque o comprimento do desejo é infinito!
Sei que posso caminhar acompanhado pelas tuas palavras,
pelo teu ombro, pela palma da tua mão
que sabes bem o meu, o teu, o nosso destino!
Sei que o caminho que temos a percorrer até lá
será palmilhado de olhos fechados...
Sei que posso chorar ao teu mundo e inundar o meu
porque ambos desaguam um no outro...
Sei quando vejo a luz que de ti emana
porque me aquece, conforta e seduz!
Sei de cor todas as pedras da calçada
que me levam a percorrer o caminho de volta
até ao meu porto de abrigo...

texto | rui marques
imagem | marina1 > www.deviantart.com

setembro 08, 2007

Segundos


Paz, apenas um pouco de paz
que se funda nesse olhar que vê as cores
os sentidos, sentimentos e sabores...
Descanso, peço eu,
sem qualquer tipo de desdém
preciso...
sentar e acordar
levantar ou adormecer!
Sei que este tempo
passa demasiado sobre mim, sobre nós
e, neste momento,
não sei se valerá a pena
aquela conversa que pairava sobre ele!

Paz de tempo, em tempos
sensível, quente
irascível?
Impossível, retorquiu, frondoso o relógio a passar...
Tira-mo do pulso, tira-mo do pulso já!
Peço-te coléricamente!
Fá-lo parar, inerte! Estático! Imóvel!

Paz, sossego e aconchego...
Te renego, tempo-santanás!
Pára... Fá-lo não andar mais!!

texto | rui marques
imagem | time by *martybell > www.deviantart.com

agosto 09, 2007

Conto de Partida


Lembrava-lhe uma carta,
que não seria, por certo, apenas mais uma!
Aquela não era uma carta de despedida qualquer... Deixara-se escrever, sentir e assinar
porque assim seria melhor!
Ocorrera-lhe outrora que, a determinada altura da sua já longa história, tal lhe poderia acontecer
e, mesmo assim, nada poderia fazer para o evitar!
Sentiu que tinha chegado o momento,
o momento certo da despedida...

Fria, nua e cruel
repousara os seus olhos naquele corpo sentado
perante o seu ângulo de visão, apesar da escuridão rodear a maior parte
da divisão onde, horas antes, tão confortavelmente se instalara!
Também ela, no seu âmago, sabia ter chegado o momento...

Treinara a vida toda para aquele momento,
porque desde cedo lhe foi dito que
as linhas do destino estão dispostas no preambulo da vida.
Apenas, disseram-lhe, se escolhia em que pano elas desfilavam...
Ao repousar o seu olhar no pedaço de papel despido sentiu-se desfalecer...
Aquele não era o destino com o qual sonhara!
Não seria aquele o seu momento de partir!
E, no entanto, o vapor da besta máquina já rolava...
A hora aproxima-se...

Após um breve momento a pentear os seus longos cabelos cor de amêndoa,
ela calçou lentamente os sapatos.
Bem lá no fundo
queria adiar aquele momento que se lhes seguia
e a sua esperança seria
ali
que a força que comanda a existência estivesse impregnada
nos cordões dos seus sapatos...
Tarde se faz notar o estridente sibilar sonoro que ela tanto adiara
no seu inconsciente...

Entraram os dois pela porta de uns seis metros de ferro fundido...
Nunca lhes tinha sido mostrada tão alta, austera, imponente,
a dominar todo esse raio e, no entanto, ela sempre esteve nas suas vidas.
À hora marcada, as suas mentes uniram-se,
as suas respirações sincronizaram-se pelo passar dos segundos...
O momento chegou!
A hora da partida, o momento da despedida trespassou o ser de ambos...

As mãos, outrora entrelaçadas, deslizaram uma na outra
tocando, ao de leve, os últimos momentos de sonho
enquanto este se esfumava por entre o vapor...
A felicidade, dizem por aquele lugar, esteve ali!
Mas partiu naquele momento com ele e ficou para sempre com ela...
Hoje em dia a estação fechou...


texto | rui marques
imagem | it-i-laf > goodbye darkness

julho 09, 2007

A escuridão que nos embala...


Caros indigentes, eis-me de volta às paisagens sonoras!
Há uns dias atrás, fui "atropelado" por um sem número de emoções e recordações quando, entre cerca de 20 mil pessoas, fui presenteado por um concerto num evento nada relacionado com cervejas nacionais...
Falo-vos de um grémio musical de seu nome Interpol...
Apesar de já saber perfeitamente o que me esperava, a doce melancolia aliada à esperança na escuridão, não esperava ser arrebatado...
Agora espero pelo novo Our Love To Admire e pela fantástica Pioneer To The Falls!
Eu recomendo, depois digam se se admiraram...

foto | www.myspace.com/interpol

junho 24, 2007

Crónica de um sentido açucarado

Afinal,
e no fim de tudo,
ficamos só nós...
Depois de tanta vida e tanto afastamento,
de tanto escuro
e tanto erro que não o chegou a ser...
De tanta mensagem não descodificada,
tanta falta de memória das noites e dias
que correm,
de desencontros,
ficamos só nós, afinal, depois de tanto...
Depois da chuva nos atrever a pensar melhor!
Depois de caminhar e caminhar,
com as ideias a florescerem da conversa
que afinal não correspondia ao que se pensou...
Depois de lágrimas derramadas
das palavras tocadas,
escritas,
lidas,
sentidas,
escutadas...
E, no fim de tudo, ficamos assim
a pensar... Vermelho?
Encarnado!
Depois do cinzento das manhãs
do desespero
do não avisar,
ficamos...

Reza a história que estórias assim não se escrevem...
Sentem-se!
Vivem-se!
Saboreiam-se!
Preenchem-se!
Conquistam-se!
Encontram-se...
Hoje encontro-me!
E no final, ficamos só nós!
Apesar de tudo...
Outro dia passou e não se tomou café!

texto | rui marques
imagem | Coffee_by_Laffen2004

Vermelho

Apesar da luz difusa
consigo reviver todos os momentos
das recordações que fui recebendo!

Apesar da luz difusa e do silêncio que me envolve
sinto o calor de uma presença
que me percorre a memória,
disperta o olhar
e onde,
apesar dessa luz difusa,
vê tanto sentir encarnado...

Hoje estou fechado nestas paredes
que apenas me abrigam,
apesar de me deixarem voar
até essa luz difusa
que tão forte se vê
e queima de tão vermelha que é...

texto | rui marques
imagem | Red_Light_by_Ery_LoVe

abril 03, 2007

Quimera

Estou perante esta janela
fechado!
E, no entanto, por ela
vejo toda uma vida em frente...
a entrar em mim, que nem ar!
Vejo este dia que me segue e renova...
Hoje, pertenço a esta janela
como em tempos te pertenci...
Hoje apenas me apetece ver
toda uma história por esta tela projectada,
esta janela fechada
que tão aberta está...
Deixo entrar em mim vida
adormeço, enrolado nestes lençóis
deitado neste quarto onde te possui...
Em que me ensinaste a não pensar
onde escrevemos esta nossa história
de transpiração e corações coléricos!
Abro a minha mente e vôo
dentro da janela
e, doravante,
quem pinta esta tela... sou eu
e o meu desejo!

texto | rui marques
imagem | Silent Desire by ~gsuske

fevereiro 24, 2007

Fábula do tempo (ou quando o meu relógio parou)

Acordo naquele dia em que aquele nascer do Sol
simplesmente escureceu tudo o que me envolvia
Não sei bem o que hei-de escrever ou sequer pensar
a não ser deixar fluir essa luz que me cega

e tentar inventar um rumo para tudo isto,
uma nova forma de escrever,
mas não sei

(Sinceramente!)

se a consigo vislumbrar como tendo um objectivo certo

em apenas vinte minutos de raciocínio escorreito...

já não sei, sequer, a esta hora, com quantos tempos
se fazem vinte minutos, vinte minutos apenas
pois essa noção tão breve e ténue que é o tempo

neste momento encontra-se um pouco difusa...


Aquele nascer do Sol, há pouco, não terá durado
vinte minutos, apenas vinte minutos

mas garanto que quando o olhar novamente
saberei dizê-lo
e dissiparei as dúvidas

e os vinte minutos serão poucos

ou apenas durarão todos os tempos

compostos de vinte minutos,

vinte minutos apenas...

texto | rui marques
foto | Time by =Dream-traveler > www.deviantart.com

Hoje apenas escrevo


Hoje apenas escrevo porque sinto que o preciso fazer
não por obrigação ou necessidade, apenas porque preciso ouvir-me!
falar baixinho,
como quem escreve noite dentro...
Faltam-me palavras para me escutar e saber o que devo ler
se decido falar ou apenas confidenciar
este arrojado preenchimento desta folha branca
perante o meu Ser...

Sabes, afinal a vida gira mesmo
e ao girar afasta-nos do ponto onde,
em determinado momento, nos pareceu estar...
e depois aproxima-nos...

Este doce e confidente escorrer de tinta deixa-me exposto
mostra-me transparente
atordoa-me de sinceridade
preenche-me de expectativas
e, no entanto, apenas me parece
que terá sido apenas
um breve matar de saudades
que ao fim ao cabo não sairá disso mesmo...

Inicialmente, aguardado expectante
no final, guardado eternamente
para quem se interessar
e ousar saber
de quantas voltas a vida é feita
e quantas linhas se preenche
quando
a solidão está presente...
E, por isso, desculpa...

texto | rui marques
foto |
Something Mathematical.. by ~evreniz > www.deviantart.com