agosto 09, 2007

Conto de Partida


Lembrava-lhe uma carta,
que não seria, por certo, apenas mais uma!
Aquela não era uma carta de despedida qualquer... Deixara-se escrever, sentir e assinar
porque assim seria melhor!
Ocorrera-lhe outrora que, a determinada altura da sua já longa história, tal lhe poderia acontecer
e, mesmo assim, nada poderia fazer para o evitar!
Sentiu que tinha chegado o momento,
o momento certo da despedida...

Fria, nua e cruel
repousara os seus olhos naquele corpo sentado
perante o seu ângulo de visão, apesar da escuridão rodear a maior parte
da divisão onde, horas antes, tão confortavelmente se instalara!
Também ela, no seu âmago, sabia ter chegado o momento...

Treinara a vida toda para aquele momento,
porque desde cedo lhe foi dito que
as linhas do destino estão dispostas no preambulo da vida.
Apenas, disseram-lhe, se escolhia em que pano elas desfilavam...
Ao repousar o seu olhar no pedaço de papel despido sentiu-se desfalecer...
Aquele não era o destino com o qual sonhara!
Não seria aquele o seu momento de partir!
E, no entanto, o vapor da besta máquina já rolava...
A hora aproxima-se...

Após um breve momento a pentear os seus longos cabelos cor de amêndoa,
ela calçou lentamente os sapatos.
Bem lá no fundo
queria adiar aquele momento que se lhes seguia
e a sua esperança seria
ali
que a força que comanda a existência estivesse impregnada
nos cordões dos seus sapatos...
Tarde se faz notar o estridente sibilar sonoro que ela tanto adiara
no seu inconsciente...

Entraram os dois pela porta de uns seis metros de ferro fundido...
Nunca lhes tinha sido mostrada tão alta, austera, imponente,
a dominar todo esse raio e, no entanto, ela sempre esteve nas suas vidas.
À hora marcada, as suas mentes uniram-se,
as suas respirações sincronizaram-se pelo passar dos segundos...
O momento chegou!
A hora da partida, o momento da despedida trespassou o ser de ambos...

As mãos, outrora entrelaçadas, deslizaram uma na outra
tocando, ao de leve, os últimos momentos de sonho
enquanto este se esfumava por entre o vapor...
A felicidade, dizem por aquele lugar, esteve ali!
Mas partiu naquele momento com ele e ficou para sempre com ela...
Hoje em dia a estação fechou...


texto | rui marques
imagem | it-i-laf > goodbye darkness

3 comentários:

Anónimo disse...

Simplesmente... adoro ler-te... faz-me sentir tudo e de todas as maneiras...
Continua, amiguinho... estarei atenta...

Beijo!

Anónimo disse...

esta historia pode ser o retrato de muitas outras! Em que a dor de quem parte fica embrenhada e paira sobre todos os sonhos. Mas mesmo assim nunca deixamos de sonhar e é isso que faço cada vez que te lei-o aki sonho com as tuas palavras e com a forma e com o sentimento que as debitas! como sempre muito bom, envolvente e penetrante! Adorei bjs saudosos....

Dina disse...

A despedida, a separação... de pessoas, de lugares, de tempos... são estes os sentimentos que marcam o principio ou o fim da maior parte das histórias da nossa vida! E estão neste conto arrepiantemente berm retratadas! Beijo grande, amigo!