outubro 30, 2008

Independente


Pé ante pé, com toda a inocência que lhe era imputada,
desceu as escadas naquele dia igualmente similar aos outros
em busca do seu mundo perdido ou qualquer incerto dado como adquirido.
Fosse como fosse, as expectativas eram baixas à partida,
não que isso lhe causasse algum incómodo.
Os raios de sol que penetravam pela folga entre o soalho e a velha porta
iluminavam-lhe o pensamento, terramoto de ansiedade mista de medo e curiosidade,
guiavam-lhe a marcha para o seu próximo passo...
No último degrau da escada, baqueou...
Num terno bailado em câmara lenta, admirou toda aquela existência
que lhe estava adstrita, como se fosse a primeira vez que a observava
e seria, tão só, o inicio de uma ténue recordação de vida...
E aí foi assolada pelos risos, as quedas, as quezílias, os confrontos
os beijos, o cheiro a comida acabada de fazer...
Lembrava-se perfeitamente do dia em que as esqueceu
mas nunca o assumiu perante a sua imagem...
O passar da estória troa pungente ao ritmo do tic-tac do velho relógio de parede
e explode dentro de si um suspiro de coragem e destino
à medida que lentamente reinicia os seus passos pelo velho soalho de madeira!
Já o sabe ela, que encontrou o seu mundo perdido e vai, segue, confiante rumo a ele...
A sua presumida inocência... Morreu!

texto rui marques
foto The Door by Bob-da-Cat>www.deviantart.com

Agora

A esta hora sei que sou eu,
que aqui te escuto nos desabafos e desaforos
em que dos nossos negros, fazemos tesouros
e que dos nossos males transformamos em ouros...
Naquela hora devo ter sido eu
a aconchegar-te no negrume do momento,
nas profundezas do pensamento
e a acreditar que aquela lágrima fugidia era única!
E que, mesmo que o não fosse,
não mais a irias recordar por tão breve e insípida...

Na próxima hora quero ser eu!
Quero ser eu a amparar os ventos que sopram,
a provar os sabores que amargam...
Da próxima hora quero ser eu
aquele que guarda o tempo no bolso do fundo,
aquele que sossega a maré do dia-a-dia
e que pinta o brilho no quente do Sol...
A toda a hora espero ser eu
a entrar no olhar triste,
a separar toda a sua expressão magnânima
e deitar o prescindível fora,
para agarrar somente nesse olhar
a vontade de ficar aqui agora
e assim, quem sabe um dia,
acabar por ficar a toda a hora...


texto rui marques
foto Secreth path by *WiciaQ>www.deviantart.com

outubro 12, 2008

A Janela


Ao longe, a respiração ofegante da planície tolda-lhe o sentir da paisagem
ocultando-lhe, lentamente, todo e qualquer vislumbre do que o rodeia
do que o envolve, do que o compõe...
As nuvens difíceis desabam os seus pensamentos no que resta da sua consciência terrena
e que, sem sequer se saber muito bem como, o colocou ali...
Naquele preciso instante!
Naquela janela de tempo!
Naquela imensa redoma asfixiante...

Soubera ele que a música que o transportou naquele preciso momento,
ninguém a escutaria senão ele
e desenfreadamente agarrar-se-ia a toda a uma vida de conhecimento
que não seria senão pó
e de nada lhe servia a não ser para se arrepender
de o ter tomado como seu
grão a grão...

Aquela planície que o envolve, suada, orienta-lhe o caminho
e no entanto ele não o sabe, nunca soube
nunca o saberá...
Porque o magnetismo da bússola da sua mente secou aos primeiros raios de sol...
Estagnou!
Desertou...
E assim, ficou para sempre só
num clímax esfuziante de ter encontrado todo um sentido para si
no preciso momento em que se perdeu!
E isto tudo, enquanto a velha janela de madeira se encerrava sobre si...

texto rui marques
foto janela by rafajija > www.deviantart.com